Concorrência ou complementaridade?

A multiplicação de tribunais internacionais é um fato, e tal fenômeno foi sem dúvida acentuado no fim do século passado. As preocupações em torno de seu caráter concorrente ou complementar são tanto de ordem doutrinal quanto prática.

Os que denunciam tal multiplicação falam de fragmentação do Direito Internacional, de instabilidade decorrente de tal situação no campo das relações internacionais e prevêm mesmo, diante da concorrência entre diversos tribunais competentes, um campo de eleição futuro perfeito para o forum shopping, o que faria a fortuna dos grandes escritórios de advocacia internacionais...

Os que invocam, ao contrário, a complementaridade dos demais tribunais, acentuam a importância da diversidade – própria ao ser humano – e da complexidade do contencioso internacional, que atinge níveis nunca antes constatados. Mas não é com pessimismo que devemos constatar o aparente aumento do número de batalhas jurídicas no mundo: ninguém hoje pode ignorar que jamais a justiça esteve tão acessível a todos os cidadãos do mundo, que eles queiram ver reconhecidos seus direitos como indivíduos ou como parte de uma comunidade pertencendo a um Estado. Basta pensarmos no número de processos internacionais bastante superior ao de conflitos: como estaria o mundo sem o árduo trabalho de todos esses tribunais que tentam, no respeito de todas as partes envolvidas, propor soluções viáveis para melhorar a qualidade das relações internacionais?

Além disso, se o grande número de tribunais internacionais não parece, em princípio, ter reduzido o número de guerras, eles tem instaurado e desenvolvido uma cultura importante de que a impunidade não é mais a regra e de as vítimas de atrocidades diversas não serão mais simplesmente sufocadas em seu silêncio. Além disso, inúmeros conflitos territoriais, econômicos, relativos ao meio ambiente ou aos direitos humanos, têm sido, com sucesso, solucionados por tribunais internacionais e executados de boa fé pelas partes (é o caso de vários países africanos, por exemplo).

Não devemos esquecer que durante séculos e séculos, a ausência de estruturas judiciais apropriadas deixava a guerra ser a forma mais comum – quando não a única – de afirmação da soberania dos Estados. Embora os conflitos não tenham sido banidos da face da Terra – será que jamais o serão? – não se pode negar que a existência de jurisdições para julgar Estados e pessoas culpadas de crimes internacionais ou de simples infrações ao Direito Internacional é uma evolução mais do que positiva na história da humanidade e do diálogo entre os povos.

Assim, se uma certa concorrência existe entre os tribunais internacionais, ela é sem maiores consequências para a integridade do Direito Internacional ou para a qualidade da justiça, a diversidade apresentando mais vantagens de que inconvenientes. Aliás, os pontos positivos da existência de vários tribunais podem ser tirados de situações semelhantes de direito interno. Com efeito, os mesmos argumentos contra uma eventual multiplicação dos tribunais internacionais poderiam ser invocados contra o também crescente número de jurisdições internas a um país. Ora, sabe-se que a multiplicação – e a decorrente especialização de certas jurisdições internas – representam uma garantia, entre outras, de uma boa administração da justiça.

Quanto a uma eventual concorrência entre os tribunais situados em Haia, ela é completamente inexistente. Com efeito, cada tribunal examina cada caso em sua área restrita de competência. Um exemplo disso pode ser dado pelo casos examinados pela Corte Internacional de Justiça com relação aos eventos no território da ex-Iugoslávia. Assim, enquanto a CIJ julgou a Sérvia quanto à possível infração desta última à Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio de 9 de dezembro de 1948, o TPII julgou os indivíduos penalmente responsáveis por este e outros crimes cometidos na região da ex-Iugoslávia. Aliás, a Corte teve igualmente a oportunidade de examinar o pedido da Sérvia contra os Estados da OTAN pour ilegalidade do uso da força (ver site da Corte: www.icj-cij.org), algo que não poderia ter ocorrido diante de nenhum outro tribunal internacional.

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