Contribuição ao Direito Internacional

De maneira geral, o trabalho dos Tribunais da Haia (salvo do Tribunal Especial para o Líbano, cujas atividades só foram iniciadas recentement) tem trazido importantes progressos tanto para o Direito Internacional Geral, quanto para as importantes áreas do Direito Penal Internacional, dos Direitos Humanos e do Direito Humanitário.

DIREITO INTERNACIONAL GERAL

O sucesso do Tribunal Irã-Estados Unidos está ligado tanto à aplicação intensa que ele fez das regras da UNCITRAL como à qualidade de suas sentenças, contribuindo, assim, para enriquecer a jurisprudência internacional no campo do Direito Internacional Público e do Direito do Comércio Internacional, incluindo a lex mercatoria. Suas sentenças são, aliás, cada vez mais citadas por outros tribunais internacionais e sua contribuição para o Direito Internacional é ressaltada por todos os autores que têm discorrido sobre este organismo arbitral único.

Após anos de intensa atividade, o Tribunal parece chegar ao fim de sua missão. O legado jurídico de suas decisões em 3.936 casos (até 31 de março de 2009) continuará certamente a inspirar, muito além de tribunais arbitrais, outras entidades internacionais de solução pacífica de controvérsias. O Tribunal Irã-Estados Unidos abordou assuntos tão varidados quanto questões relativas à dupla nacionalidade das partes, à expulsão dos estrangeiros, às expropriações, às garantias bancárias e à execução de sentenças.

A Corte Internacional de Justiça proferiu, quanto a ela, cento e três julgamentos desde 1946 em diversos campos do Direito Internacional, dentre os quais as delimitações terrestres e marítimas, a soberania territorial, o não recurso à força, a não ingerência nos assuntos internos de um Estado, as relações diplomáticas, a tomada de reféns, o direito de asilo, a nacionalidade, a tutela, o direito de passagem, direitos econômicos e, mais recentemente, a proteção ambiental. Até hoje cento e quarenta e quatro casos formam iniciados diante da Corte.

Além de suas decisões contenciosas, a Corte proferiu durante o mesmo período vinte e cinco pareceres consultivos em diversas áreas, dentre as quais: as consequências legais da construção de um muro no território palestino ocupado, a reparação de danos sofridos a serviço das Nações Unidas, a situação internacional do Saara Ocidental e do Suoeste Africano (Namíbia) e sobre a licitude do uso de armas nucleares por un Estado em um conflito armado ou da simples ameaça ou uso dessas mesmas armas. A Corte foi recentemente requisitada para se pronunciar sobre a Declaração de Independência do Kosovo e audiências ocorreram no fim de 2009. Apesar do caráter não obrigatório desses pareceres consultivos, seu impacto não pode ser subestimado, que seja de um posto de vista internacional ou mesmo nacional: tal impacto é multiplicado pela alta difusão de seus conteúdos, como efeito da mundialização e de seu principal instrumento, a Internet.

Quatorze casos, dos quais doze contenciosos e um consultivo, estão atualmente pendentes diante da Corte, cobrindo vários campos do Direito Internacional, dos mais clássicos como tratados internacionais (por exemplo “Caso relativo ao projeto Gabčíkovo-Nagymaros (Hungria/Slováquia)” e “Caso da aplicação do Acordo provisório de 13 de setembro de 1995 (ex-Repéblica Iugoslávia de Macedônia c. Grécia)”); delimitações terrestres e marítimas (como por exemplo “Disputa fronteiriça terrestre e marítima” (Nicarágua c. Colômbia) e “Disputa marítima” (Peru c. Chile)); imunidade penal do chef de Estado (“Certos processos penais em trâmite na França” (República do Congo c. França)) ou de jurisdição do Estado estrangeiro (como por exemplo “Imunidades de jurisdição do Estado” (Alemanha c. Itália)); proteção diplomática (como por exemplo “Ahmadou Sadio Diallo” (Guiné c. República Democrática do Congo)); ou direitos humanos e humanitário (como por exemplo Caso das atividades armadas no território do Congo (Républica Democrática do Congo c. Uganda)); “Aplicação da Convenção para a prevenção e a repressão do crime de genocídio (Croácia c. Sérbia)”; “Questões relativas à obrigação de processar ou de extraditar (Bélgica c. Senegal)”, “Aplicação da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (Geórgia c. Federação da Rússia)); aos mais modernos como a proteção do meio ambiente (como por exemplo “Aplicação aérea de herbicidas” (Equador c. Colômbia)).

Dentre esses casos, convém citar aqui brevemente os que terão uma repercussão internacional importante no futuro próximo, visto que as decisões da Corte sobre as controvérsias em questão afetarão regiões inteiras e marcarão sem dúvida as relações internacionais nos próximos anos.

O primeiro deles é o caso da Geórgia contra a Federação Russa, deste o envio de tropas, por esta última, a duas regiões separatistas – Ossétia do Sul e a Abkházia – do território georgiano em agosto de 2008. A Geórgia acusa a Rússia de não respeitar a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. Embora a Rússia conteste a pertinência jurídica desse tratado para o caso, questionando mesmo a existência de um litígio susceptível de ser julgado pela Corte, a CIJ decidiu, em 15 de outrubro de 2008 (para acessá-la consulte o site da Corte: www.icj-cij.org), indicar medidas cautelares impondo obrigações a ambos os Estados para que tomem todas as providências cabíveis para cessar as hostilidades e evitar que as consequências do conflito não sejam irremediáveis.

O segundo caso que consideramos importante ressaltar aqui é o pedido de parecer consultivo relativo à conformidade ao Direito Internacional da Declaração Unilateral de Independência das instituições provisórias de administração autônoma do Kosovo. Com outros trinta e cinco países, o Brasil enviou, no começo de 2009, sua posição sobre o assunto. Os autores da Declaração unilateral também depositaram um documento. A Corte recebeu quatorze documentos adicionais de países desejando comentar as posições de outros Estaods. As audiências neste caso, que exigem uma grande organização por parte da CIJ devido ao importante número de Estados desejando participar da fase oral do processo, ocorreram em dezembro de 2009. 

Enfim, também de repercussão internacional, um caso relativo ao veto da Grécia à entrada da ex-República da Macedônia na OTAN merece ser citado, e sobretudo quando consideramos sua peculiaridade: a aplicação de um artigo de um acordo relativo a utilização do nome “ex-República da Macedônia” por essa última.

É importante ressaltar aqui a importância da execução efetiva dos julgamentos da Corte Internacional de Justiça, que, gostaríamos de lembrar, são obrigatórios (Sobre esse assunto, ver, por exemplo, Azar (Aida): "L'exécution des décisions de la Cour internationale de justice". Bruxelles, Bruylant, 2003; Schulte (Constanze): "Compliance with decisions of the International Court of Justice". Oxford, Oxford University Press, 2004). Assim, recentemente, não só diversos países mantiveram a Corte informada do progresso realizado nesse sentido, mas a imprensa também o fez. A autora deste artigo gostaria de aproveitar essa ocasião para lamentar a pouca difusão que se faz no Brasil desse Direito Internacional vivo e concreto, e sem dúvida alguma importante tanto para a afirmação do Direito Internacional quanto para o equilíbrio das relações internacionais.

DIREITO PENAL INTERNACIONAL, DIREITOS HUMANOS E DIREITO HUMANITARIO

O século passado foi testemunha de crimes resultando das piores atrocidades da história de humanidade. A criação do Tribunal Penal Internacional pelo Estatuto de Roma de 1998 foi uma resposta à urgente necessidade de acabar com a impunidade e com as violações massivas do Direito Humanitário Internacional desse nosso passado recente.

Antes mesmo da criação do Tribunal Penal Internacional, o trabalho realizado pelo Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia modificou, de maneira irreversível, a paisagem do Direito Humanitário Internacional. Mais do que isso, ele criou a oportunidade para que vítimas possam relatar o que viram ou ouviram durante o conflitos nos Balcans.

Sua jurisprudência, rica em decisões fundamentais em matéria de genocídio, crimes de guerra e crimes contra a humanidade, formam daqui por diante um precedente importante no sentido de que nehum indivíduo em alta posição hierárquica não mais poderá de subtrair a um processo, e que líderes suspeitos de crimes de massa deverão encarar a justiça. Isso foi um grande passo para a afirmação da responsabilidade penal individual e para a relativização de uma eventual responsabilidade coletiva – muitas vezes injusta – de comunicades inteiras. Enfim, o Tribunal provou que uma justiça internacional eficaz é possível.

De um ponto de vista concreto, o TPII contribui para o estabelecimento de um arquivo histórico das comunidades implicadas nos conflitos que deram origem a esse tribunal: os crimes dos quais elas forma vítimas não podem mais ser negados. Assim, por exemplo, constatou-se que um genocídio realmente ocorreu em Srebrenica. No mesmo sentido, o Tribunal julgou que o estupro foi utilizado por membros do exército bósnio et sérbio como instrumento de terror.

É importante notar que embora a maioria dos casos julgados pelo TPII tenha visado eventuais crimes cometidos por sérvios e bósnios, o Tribunal também investigou suspeitos oriundos de outras etinias, como croatas, bósnios muçulmanos e albaneses do Kosovo. Os julgamentos desse tribunal procuraram ressaltar a justiça, e não criar qualquer equilíbrio artificial entre os diferentes grupos. Assim, as provas contra uns e contra outros tiveram o mesmo peso nas decisões imparciais do Tribunal.

Sem dúvida alguma, o trabalho do Tribunal teve um impacto extraordinário nos Estados da ex-Iugoslávia não só responsabilizando os criminosos, mas também como símbolo do fim da impunidade, abrindo assim a via para uma possível reconciliação. Com o fim de suas atividades em 2012, o TPII deixará um legado em termos de arquivos judiciários que, juntamente com outros tribunais internacionais, como o Tribunal Penal Internacional para a Ruanda, terá marcado o início do fim da impunidade por crimes terríveis contra grupos inteiros de seres humanos.

Como dissemos acima, a criação do Tribunal Penal Internacional, primeiro tribunal penal permanente da histório da humanidade, é mais um importante passo para a justiça internacional. Apesar do fato que que muitos países considerados Estados-chave não tenham assinado o Estatuto de Roma (dentre eles, os Estados Unidos, Israel, a Coréia do Norte, etc.), o impacto do trabalho do TPI á é inegável. Assim, por exemplo, ninguém pode ignorar o impacto – tanto político quanto na opinião de cidadãos do mundo todo – da decisão do Procurador Ocampo de agir contra o atual presidente do Sudão, Omar Hassan Ahmad Al Bachir.

Além disso, o trabalho de sensibilização que tem efetuado o TPI é extremamente importante. Assim, nos primeiros 6 mese de 2009, reuniões e seminários foram realizados nos países das situações submetidas ao Tribunal. No norte de Uganda, por exemplo, 53 atividades foram empreendidas nas quais participaram 14.158.800 pessoas! Outros países também beneficiaram desse movimento: Na República Democrática do Congo, 48 atividades foram realizadas das quais participaram 8.100 pessoas; na República Centroafricana, através de 46 atividades incluindo 34.020 pessoas; ao total, 11.168 kits de informação e 6.858 exemplares dos textos fundamentais do Tribunal foram difundidos.

***